quinta-feira, 19 de outubro de 2006

o hoje e o sofá azul

Blue couch
Pastel drawing by artist Miles Williams Mathis, Bruges, Belgium

As paredes do meu castelo estão caiadas pela ausência e as noites, agora longas, tornaram-se mais frias que nunca. Pela janela do olhar tento atenuar a solidão taciturna com pequenos monólogos mentais. Murmúrios íntimos de paisagens tranquilas que vivem em mim, a doce brisa que acaricia o momento perfeito de cada pôr-do-sol com que sou celestialmente abençoada.
Nesta imensidão de cores e ternura faço do mar a minha voz e do resplendor o brilho infinito com que teço o vagaroso dos meus dias. Caminho descalça pela areia, a sua textura rugosa afaga-me a alma e renova-me o alento. Na mão carrego apenas um livro com que tento apagar as minhas memórias construindo outras, através das estórias que descubro a cada página. É impossível bem sei, mas gosto de pensar que sim, que posso traçar, num simples gesto, a fantasia de um qualquer lirismo inocente. E sorrio.
Prossigo caminho antevendo a paz na enormidade do fim de tarde. Como se fosse necessário manter-me acordada, molho a face só pelo simples prazer de sentir deslizar o salgado pelos meus lábios agora agridoces. Fecho os olhos e levanto os braços ao céu. Num movimento rápido e circular deixo-me embalar pela brisa dançando a um ritmo que apenas eu conheço, que apenas eu sinto. O ritmo de quem ama deveras as palavras do silêncio e os momentos perfeitos da simplicidade onde, concluo, não há solidão, onde não há ausência… apenas o agora eterno.
As dores começam a sanar. A minha fortaleza começa a ganhar cor, tonalidades quentes que apagam o vazio e trazem consigo gentes, diálogos e partilhas…
- “E o sofá azul?!” perguntas-me.
Respondo-te apenas: “- Está comigo, no meu coração, no imenso que guardo em mim, as memórias retalhadas que tanto me magoaram um dia, o dia em que parti para nunca mais voltar... Quanto ao demais, deixa hoje ser o hoje...”.

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