segunda-feira, 24 de julho de 2006

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Que música escutas tão atentamente

Que música escutas tão atentamente

que não dás por mim?

Que bosque, ou rio, ou mar?

Ou é dentro de ti

que tudo canta ainda?

Queria falar contigo,

dizer-te apenas que estou aqui,

mas tenho medo,

medo que toda a música cesse

e tu não possas mais olhar as rosas.

Medo de quebrar o fio

com que teces os dias sem memória.

Com que palavras

ou beijos ou lágrimas

se acordam os mortos sem os ferir,

sem os trazer a esta espuma negra

onde corpos e corpos se repetem,

parcimoniosamente, no meio de sombras?

Deixa-te estar assim,

ó cheia de doçura,

sentada, olhando as rosas,

e tão alheia

que nem dás por mim.


(Eugénio de Andrade, Coração do dia)

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